O empreendedorismo inclusivo tem se mostrado um caminho promissor para pessoas com deficiência (PcD) conquistarem espaço no mercado de trabalho. Para ampliarem sua independência e inclusão, muitas pessoas nessas condições estão empreendendo, criando negócios próprios em diversas áreas e mostrando que a diversidade pode impulsionar inovação e crescimento econômico.
Além de empoderar e incluir, negócios criados ou liderados por PcD´s, promovem a autonomia financeira em uma realidade que ainda se mostra desigual para várias comunidades tradicionalmente menos favorecidas, entre elas, as pessoas com deficiência.
Essa situação pode ser verificada com base nos dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2019 – última com estratificação de instrução, participação no mercado de trabalho e rendimento das pessoas com deficiência, já realizada.
O recorte do levantamento para o Maranhão mostra que, naquele ano, o percentual de pessoas com deficiência correspondia a 9% da população total do estado, o que totalizavam 615 mil pessoas de 2 anos ou mais nessa condição. Desse total, segundo a pesquisa, 29,1%, ou seja 179 mil pessoas, pertenciam ao estrato dos 20% da população maranhense que apresentavam menor rendimento domiciliar per capita, ao passo que apenas 4,8% dessas pessoas (29 mil), pertenciam aos 20% de maior rendimento.
A quantidade de pessoas com deficiência inseridas no grupo daquelas com renda mais baixa, está diretamente ligada ao percentual de PcD’s que estavam empregadas e/ou empreendendo em 2019 no estado. Os dados do IBGE mostram que a taxa de formalização no Maranhão, que inclui empregados, como ou sem carteira assinada e empreendedores (regulamentados ou não), era de 29,4% entre as pessoas sem deficiência e de apenas 17,1% entre as pessoas com deficiência. Sinal claro de que se inserir no mercado de trabalho era mais difícil para as pessoas com deficiência.
Gráfico:Distribuição de pessoas com deficiência e taxa de formalização (2019 – Maranhão)
É nesse cenário, ainda persistente mesmo seis anos depois, que o empreendedorismo surge como alternativa para muitas pessoas com deficiência no Maranhão. Entretanto, segundo os próprios atores do ecossistema, a realidade desses empreendedores ainda é de informalidade, o que é observado também pela falta de dados relativos ao número de PcD’s que atuam no ramo do empreendedorismo no estado.
Empreendedor cultural e de audiovisual, Fábio Ferreira diz que o empreendedorismo inclusivo ainda está longe de ser uma realidade consolidada no Maranhão. “Apesar de pequenos avanços, especialmente na capital, a maioria das pessoas com deficiência continua sem acesso à qualificação profissional, crédito ou políticas públicas que lhes permitam empreender de forma estruturada”, relata.
Fábio, que também atua como coordenador de acessibilidade em diversos festivais culturais no estado, cita como principais desafios enfrentados pelos empreendedores, as barreiras atitudinais e arquitetônicas, que dificulta o acesso aos espaços de formação e de negócios.
“Como coordenador de acessibilidade, tenho uma equipe formada por pessoas com deficiência, como audiodescritores e produtores culturais, com quem atuo em festivais e eventos tanto na capital, São Luís, como em diversas cidades do interior. Infelizmente, assim como eu, muitos desses profissionais ainda vivem na informalidade, sem oportunidades de formalizar seus empreendimentos e conquistar estabilidade”,
pontua.
Fábio Ferreira durante reunião de visita técnica do festival Zabumbada 2024 (Foto: Arquivo pessoal)
‘Papo de Cadeira’: empreendedorismo que dá voz
Cadeirante desde 2017, quando um ente o deixou tetraplégico, Fábio Ferreira diz que encontrou no audiovisual e na educação, instrumentos potentes de transformação social, tanto para ele, quanto para outras tantas pessoas com deficiência.
Desde 2018 – um ano após o acidente – ele criou e conduz o ‘Papo de Cadeira’, projeto que em 2022 se transformou em um instituto, atuando com produções audiovisuais e atividades sociais voltadas à valorização das potencialidades das pessoas com deficiência.
Através do instituto, Fábio já coordenou a parte de acessibilidade de vários eventos culturais, como os festivais BR-135 e Zabumbada. Entretanto, a atuação do ‘Papo de Cadeira’ vai além do trabalho prestado aos eventos. Com experiências na área de produção cultural e especialização em Psicopedagogia com ênfase na Inclusão, Fábio presta assessoria, muitas das vezes, voluntária, a empreendedores com deficiência e ministra palestras e oficinas sobre inclusão nas mais diversas áreas.
“Ajudo sempre que posso, mesmo que de forma ainda informal, pela falta de contratos consistentes e políticas que deem sustentação ao nosso trabalho”, conta.
Em 2024 e 2025, Fábio Ferreira produziu e dirigiu o documentário “Papo de Cadeira: Arte Sem Limites”, que deu visibilidade às histórias de artistas com deficiência de São Luís. Lançado no último dia 20 de março, a produção conta as trajetórias de superação de três pessoas com deficiência através da arte.
“‘Papo de Cadeira: Arte sem Limites’ é um convite à reflexão e à ação. É um chamado para que todos se engajem na construção de um mundo mais inclusivo, onde a arte seja um instrumento de transformação social e a empatia seja a base de todas as relações”, destaca. O documentário está disponível no YouTube pelo link abaixo:
De nós para nós
“Nada sobre nós, sem nós”. O slogan entoado pelas pessoas com deficiência em diversos países do mundo ressalta a importância da participação ativa destas pessoas em decisões que afetam seus direitos e bem-estar.
O lema pode ser adaptado em “de nós pra nós’, para definir o empreendimento criado por André Bianco. Cadeirante há 28 anos, ele decidiu recentemente empreender no conserto e manutenção de cadeiras de rodas e outros equipamentos utilizados por quem, assim como ele, está nessa condição.
O empreendedor conta que a decisão por transformar uma necessidade pessoal em negócio para atender outras pessoas com deficiência, veio após ele juntar um hobby de criança com serviços que realiza de forma voluntária para o time de basquete sobre rodas da Associação Paradesportiva Maranhão (Aspama), do qual é atleta.
“Desde moleque, eu sempre gostei de mexendo em bicleta, mobilete. Eu desmontava, montava, ajeitava uma peça aqui e uma ali. Depois do da reabilitação do acidente, comecei a mexer e ajeitar minha cadeira de rodas. Aí quando comecei também a fazer os serviços das cadeiras do basquete, eu disse: ‘rapaz, eu estou fazendo esse serviço, por que não começar a ter uma renda extra?’”
André Bianco trabalha com conserto e manutenção de cadeiras de rodas (Foto: Arquivo pessoal)
Há pouco menos de um ano, André conta que transformou o hobby e serviço voluntário em negócio e desde então, abriu uma oficina onde realiza consertos e reparos de cadeiras de rodas, cadeiras de banho, andadores e adaptações veiculares. Para além disso, o empreendedor diz que pretende apresentar uma proposta para prestação de serviços dentro de shoppings, hospitais e clínicas, onde há a disponibilização de cadeiras de rodas para clientes e pacientes com deficiência locomotora.
“A gente vê que é um material que às vezes está sucateado e as pessoas teimam em deixar ali para a utilização. E muitas das vezes eles não realizam manutenção, descartam aquele material e não compram novos”, explica.
Além de atender presencialmente, André também atende em domicílio, iniciativa, que segundo ele, é mais do que um serviço premium, é uma assistência adicional necessária, que tem como objetivo facilitar a vida dos clientes.
“Eu tenho alguns clientes que para eles é difícil mandar o material e, principalmente sair de casa. Então eu vou lá, levo meu material, faço todas as manutenções que tem condições de fazer de forma externa”,
conta.
Além do serviço que presta ao time de basquete sobre rodas da Aspama, André também atende de forma voluntária a crianças com deficiência que treinam bocha adaptada que treinam no ginásio Costa Rodrigues, no Centro de São Luís, fazendo reparos e manutenções nas cadeiras de rodas dos pequenos paratletas.
Visão de empreendedora
A empreendedora Lucilene Sousa mostra que perceber as belezas das coisas não depende necessariamente da visão. Cega, ela encontrou na venda de joias, uma forma de superar os limites que a deficiência traz e ter uma renda própria.
Para isso, ela conta com a ajuda da filha, que insere os preços traduzidos em braile em cada produto. Dessa forma, ela precisa apenas da percepção tátil e da persuasão como vendedora para comercializar as peças. Além disso, Lucilene conta com a ajuda de um aplicativo de celular, que transforma informações visuais em textos narrados em alto e bom som.
“Existe muita gente ainda que acha que o deficiente visual é só para ficar em casa, né? E não acredita, às vezes, no potencial da gente, mas a gente consegue ser igual a qualquer outra mulher. Pode trabalhar em qualquer coisa, naquele que gostar. E eu escolhi o lado do empreendedorismo. Não foi muito fácil, claro, como eu já falei, mas foi muito gratificante. Hoje eu já consigo tirar o meu salário através do empreendedorismo com semijóias”,
conta a empreendedora.
Lucilene Sousa utiliza os dedos para verificar os preços dos produtos em braile (Reprodução TV Difusora)
Lucilene é uma das mulheres atendidas pelo projeto ELAS, da Associação dos Deficientes Visuais do Maranhão (Asdevima), localizada no bairro Bequimão, em São Luís. “O projeto capacita essas mulheres empreendedoras e também ajuda a diminuir a invisibilidade que ainda se encontra no mercado de trabalho. Inclusive já temos mulheres com deficiência visual já inseridas no mercado, através do projeto Elas”, destaca a coordenadora do Núcleo de Mulheres da Asdevima, Wanessa Bruzaca.
Apoio e incentivo ao empreendedorismo inclusivo
Empreendedores com deficiência enfrentam diversos desafios específicos, que vão desde a falta de acessibilidade em espaços e ferramentas até o preconceito e a discriminação. Além disso, a dificuldade em acessar recursos financeiros também dificulta o desenvolvimento de seus negócios.
Para tentar mitigar esses e outros entraves, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae Maranhão) afirma que atua de forma estruturada, por meio de atendimento humanizado, capacitações acessíveis e parcerias estratégicas.
Para isso, tem buscado adaptar conteúdos, promover ações formativas com intérpretes de Libras, linguagem simples e formatos acessíveis, além de incentivar políticas públicas de apoio ao empreendedor com deficiência. Segundo Reijane Almeida, Coordenadora Estadual do Programa Plural do Sebrae/MA, o órgão também atua na orientação sobre acesso a crédito e inclusão financeira, com foco na preparação desses empreendedores para dialogar com instituições bancárias e acessar recursos de forma mais segura.
“Além disso, estamos fortalecendo parcerias com organizações da sociedade civil e instituições públicas para fomentar ambientes mais inclusivos e acessíveis, tanto nos espaços físicos quanto no digital. O objetivo é garantir que o empreendedor com deficiência possa desenvolver seu negócio com autonomia, dignidade e oportunidades reais de crescimento”, destaca a coordenadora.
Programa Plural
Ainda conforme Reijane Almeida, o Programa Plural, do qual é coordenadora no Maranhão, tem como foco promover diversidade, equidade e inclusão no ambiente de negócios. O mesmo contempla o apoio a empreendedores de grupos historicamente sub-representados, incluindo pessoas com deficiência, com soluções específicas sendo estruturadas, que irão desde capacitações acessíveis até apoio técnico individualizado, buscando assim, garantir que esses empreendedores tenham acesso a conhecimento, orientação para formalização, preparo para o acesso financeiro e visibilidade no mercado.
“Valorizar os empreendimentos liderados por pessoas com deficiência não é apenas uma questão de equidade social, mas também de reconhecer o potencial transformador desses empreendedores. Eles trazem inovação, resiliência e novas formas de pensar e produzir. Por isso, o Sebrae tem buscado ampliar ações que fortaleçam a inclusão produtiva, respeitando as especificidades e promovendo o protagonismo dessas pessoas no ecossistema de negócios”,
finaliza a coordenadora.
O programa Plural do Sebrae, apoia empreendedores de grupos historicamente sub-representados, incluindo pessoas com deficiência (Divulgação)
Legislação em prol do empreendedorismo inclusivo
Um projeto de lei aprovado no último dia 29 de maio, no Senado Federal, prevê o incentivo do poder público à empreendimentos criados e/ou liderados por pessoas com deficiência.
Pelo Projeto de Lei 1769/2024, de autoria do senador Paulo Paim (PT/RS), caberá ao Poder Público estabelecer linhas de crédito orientadas especificamente para essa parcela da população.
Outra proposta, em tramitação na Câmara Federal, cria o Fundo Nacional de Empreendedorismo Inclusivo, com o objetivo de fomentar iniciativas de micro e pequenos negócios liderados por pessoas com deficiência.
Conforme o PL 4333/24, de autoria do deputado Duarte Jr. (PSB/MA), os recursos desse fundo poderão ser utilizados para a abertura de micro e pequenos negócios; capacitação e treinamento de pessoas com deficiência em gestão empresarial; e compra de equipamentos e tecnologias assistivas para empreendimentos inclusivos.
Além disso, os financiamentos realizados pelo fundo terão condições especiais, incluindo taxas de juros reduzidas, prazos de pagamentos ampliados e carência de até 12 meses para o início do pagamento.
“O fundo fortalecerá a inclusão econômica e social, combatendo a desigualdade e promovendo o direito ao trabalho e à participação plena para as pessoas com deficiência”, defendeu o deputado Duarte Jr.
Os recursos para a iniciativa serão oriundos do Orçamento federal, de doações e de repasses de multas aplicadas em caso de descumprimento de leis de inclusão. Representantes do governo e de entidades civis serão responsáveis pela gestão do novo fundo.