Apoiada pela população, implementação de Passe Livre Estudantil em São Luís esbarra em Prefeitura e Câmara; entenda

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Ao menos 523.711 pessoas em São Luís apoiam a gratuidade no acesso de estudantes ao transporte público da capital. Foi o que apontou o resultado de plebiscito realizado em outubro de 2024, paralelamente às eleições municipais. A estatística representa um percentual de 89,91% dos votos válidos e revela o desejo da população ludovicense de melhorias no acesso à educação tanto de nível básico quanto superior.

A ideia da medida é garantir acesso gratuito às linhas de ônibus que ligam os bairros de São Luís e realizam diariamente o transporte de milhares de alunos. Esse tipo de iniciativa já funciona em outras cidades do Brasil de diferentes formas. Em alguns lugares a isenção é universal, enquanto em outros o direito é concedido a depender da renda ou da instituição de ensino frequentada.

Com o plebiscito, a expectativa era de que a pauta fosse apreciada nas instâncias do Legislativo e do Executivo municipais ao longo de 2025 e as escolas e universidades fossem destinos mais facilmente alcançáveis para os discentes.

Contudo, nove meses depois, a vontade expressa nas urnas ainda não se traduziu em mudanças no cenário já conhecido do sistema de transporte coletivo de São Luís. Apesar da possibilidade da meia-passagem, os estudantes encontram condições precárias nos ônibus que são, em muitos casos, a única possibilidade de locomoção até os espaços de ensino.

Maria Clara Araújo, 21, é estudante do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e avalia a experiência do transporte público na capital maranhense como “agressiva”, à medida em que os impostos pagos e as frequentes elevações das tarifas não parecem se converter em melhorias no serviço oferecido.

“Não à toa a gente vê que cada vez mais os estudantes têm que pegar ônibus que são superlotados, que são perigosos, porque tem diversos casos de ônibus soltando fumaça, de ônibus quebrando, de ônibus pegando fogo na nossa cidade. A gente vai se sentindo uma sardinha enlatada”, desabafa a estudante.

Mobilização

O incômodo de Maria Clara está longe de ser único. Juntamente de outros estudantes, ela participa da Frente pelo Passe Livre, que conta ainda com o apoio de professores, advogados, especialistas e outros cidadãos favoráveis à pauta.

Segundo o professor Franklin Douglas, integrante da frente e autor da proposta do plebiscito realizado em 2024, mais de 30 organizações compõem a iniciativa, que têm um grupo com mais de 100 pessoas no Whatsapp para a articulação de mobilizações.

Para Franklin, a implementação do Passe Livre Estudantil encontra obstáculos burocráticos em diferentes setores, como na Câmara Municipal e na Prefeitura de São Luís. “Ambos os poderes estão negligenciando a decisão de 523.711 eleitores que disseram sim ao passe livre estudantil. A Prefeitura não avança na regulamentação, a Câmara Municipal sequer indicou os seis vereadores da comissão tripartite aprovada por ela mesma”, afirma o professor.

A comissão mencionada foi proposta pelos vereadores em uma resolução legislativa aprovada em dezembro do ano passado. Segundo o documento, o grupo deveria ser composto por seis parlamentares, três integrantes do Poder Executivo municipal e três representantes da sociedade civil, que deveriam avaliar a gratuidade do serviço.

Além disso, em fevereiro, uma emenda parlamentar de autoria do vereador Marquinhos chegou a ser aprovada para a viabilização do projeto, com a destinação de R$ 21 milhões tanto para o custeio operacional quanto para os estudos de aplicação da medida. No entanto, nem a Câmara nem a Prefeitura indicaram os nomes dentro do prazo estipulado, que vencia em maio.

Já em abril, Danilo de Castro, procurador-geral do Ministério Público do Estado do Maranhão (MPMA), manifestou apoio à implementação do projeto. O órgão acompanha a situação e investiga possíveis omissões referentes ao transporte público da capital. O Portal Difusora News tentou contato com o procurador-geral em busca de atualizações sobre o processo, mas o jurista se encontrava em agenda no interior do estado e não pôde responder.

Procuradas, a Câmara Municipal e a Prefeitura de São Luís não retornaram o contato até a publicação desta matéria.

Acesso e Permanência

Mais que a ampliação do acesso aos ônibus, a implementação do Passe Livre Estudantil pode garantir mais condições de permanência aos estudantes de São Luís. É o que explica Fabrício Ferreira, professor e doutor em Educação pela Universidade Federal do Pará (UFPA):

“Os custos com transporte respondem por uma fatia considerável do orçamento das famílias. Não é um custo barato, mesmo com o direito da meia-passagem. Então, o passe livre estudantil ampliaria o acesso dos estudantes às escolas, às universidades e ampliaria também a permanência, que é um outro problema sério que a gente tem. Muitos alunos ingressam na escola e no ensino superior, mas por falta de condições sociais e econômicas, eles acabam se evadindo.”

A visão do especialista vai de encontro ao que Maria Clara Araújo vê acontecer de perto com colegas. Segundo a jovem, há casos em que os estudantes perdem aulas por conta dos problemas de acesso e qualidade do transporte público, que estão diretamente ligados ao prejuízo no desempenho de vários estudantes.

“O aluno às vezes perde aula porque o ônibus dele passa de hora em hora e ele mora muito longe. O tempo de jornada é tão longo que eles já chegam no segundo horário, já chegam recebendo falta, porque nem todo professor entende. No final das contas, as universidades permanecem públicas, mas o nosso acesso a elas é extremamente elitizado.”

Ainda nessa linha, Fabrício Ferreira argumenta que o aumento das possibilidades de deslocamento dos estudantes pode colaborar não só para a frequência e desempenho escolar, mas também para a formação cidadã. “A educação não se dá apenas no ambiente da escola e da universidade. À medida que o estudante consegue se deslocar com mais facilidade, ele começa a viver a cidade, conhecer a cidade, frequentar espaços que antes ele não frequentava por uma restrição orçamentária. Então, a formação de um jovem intelectual, política, educacional, ela se dá além da formação curricular e, claro com a locomoção assegurada por meio do passe livre estudantil, a gente teria uma formação muito mais integral desse estudante”, conclui o especialista.

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